Autora: Elisa Siqueira
Psicóloga Comportamental e Neuropsicóloga
A OMS estabelece como sendo idoso o indivíduo a partir de 65 anos de idade para os países desenvolvidos e a partir de 60 anos para os países em desenvolvimento como o Brasil. Proporcionalmente, a faixa etária acima de 60 anos é a que mais cresce, indicando o envelhecimento populacional (OMS, 1994). Esse fenômeno, observado mundialmente, vem ocorrendo de maneira acelerada no Brasil (IBGE, 2004). Embora a longevidade esteja aumentando, nem sempre é acompanhada de boa qualidade de vida.
Bennet et al (2002), em estudos longitudinais, apontam que a maior parte da população idosa desenvolve uma trajetória evolutiva estável e benigna, não apresentando declínio cognitivo. No entanto, o processo de envelhecimento normal revela mudanças morfológicas, tais como a diminuição do número de neurônios e sinapses, e a redução do tamanho e peso do cérebro. Essas alterações podem ser acompanhadas de alterações neuropsicológicas, como déficts cognitivos, alterações na memória, na velocidade de raciocínio, no sono, episódios de confusão mental, além de transtornos psicológicos e alterações nas atividades da vida diária. Ocorrem ainda alterações e prejuízos relacionados aos órgãos dos sentidos, principalmente na visão e audição (Schlindwein- Zanini, 2010).
O declínio da capacidade cognitiva pode ser decorrente dos processos fisiológicos do envelhecimento normal ou de um estágio de transição para as demências. Estudos epidemiológicos mostram que idosos com declínio da capacidade cognitiva apresentam risco aumentado de desenvolverem a Demência de Alzheimer, em particular aqueles com déficit de memória episódica (Charchat- Fichman et al, 2005).
A demência, condição frequente nesta faixa etária, caracteriza-se pelo declínio da memória associado ao déficit de, pelo menos, uma outra função cognitiva, por exemplo: funções executivas, linguagem, gnosias ou praxias com intensidade suficiente para interferir na autonomia, no desempenho social ou profissional do indivíduo, afetando portanto sua qualidade de vida ( Soares, et al 2012).
A literatura também tem apontado em relação às populações idosas a alta prevalência de transtornos de humor, em especial de episódios depressivos (Soares et al, 2012).
A depressão é uma doença de alta incidência no idoso, devido à própria percepção de sua crescente incapacidade física, do enfraquecimento de sua capacidade cognitiva (especialmente o da memória) e do enfrentamento da perda de amigos e familiares. Muitas vezes após a aposentadoria a condição econômica do idoso piora, gerando instabilidade financeira e ele enfrenta concomitantemente a perda de seu papel social (Schlindwein- Zanini, 2010).
A depressão está associada ao aumento do risco de morbidade e de mortalidade, além do risco aumentado de suicídio (Soares et al, 2012).
Ações e tratamentos que minimizem ou previnam o impacto do declínio cognitivo em idosos são de grande valia para a manutenção da qualidade de vida, autonomia e redução dos sintomas depressivos nessa faixa etária.
Estudos como o de Oda e Ota (2017), no qual idosos foram ensinados a criar e programar videogames, apontam que o ensino de programação pode ser útil na prevenção do declínio cognitivo uma vez que o aprendizado de novas habilidades favorece funções fisiológicas e mantém o idoso ativo, promovendo o incremento de sua reserva cognitiva. Uma revisão sistemática da área encontrou 70 artigos correlacionando o efeito do treino com jogos de videogame na cognição de idosos. Foram então selecionados 21 idosos que preenchiam critérios pre-estabelecidos pelos autores. Os idosos estudados tinham entre 60 e 87 anos e nenhuma experiência anterior com jogos de videogame. Nesses trabalhos verificou-se melhoras significativas em velocidade de processamento, atenção sustentada, alerta, memória de trabalho visoespacial, flexibilidade cognitiva, memória visual imediata e tardia e coordenação viso-motora-espacial.
Assis et al (2015), salientam que ato de jogar também poderia produzir efeitos benéficos na cognição em idosos especialmente quando realizados em treinos curtos (uma a seis semanas em sessões de trinta a sessenta minutos) indicando que o cérebro do idoso é capaz de adquirir, manter e enriquecer-se com novas aprendizagens.
O fato de jogar videogames produz efeitos de melhora no raciocínio lógico, memória, qualidade de vida, e saúde física em pessoas idosas e pode promover o desenvolvimento da inteligência emocional (Goleman, 2012) e produzem resultados benéficos na Cognição pois o cérebro humano gosta de resolver desafios, competir, obter respostas rápidas e ter incentivo, além do reforço positivo que o jogo provém e faz com que o indivíduo se mantenha jogando (MCGonigal, 2012).
Jogar videogames pode ativar diferentes áreas do cérebro simultaneamente atuando de forma integrada, podendo gerar aumento da espessura do córtex pré frontal dorsolateral esquerdo (DLPFC) que se relaciona com as funções executivas, além de estimular o lobo frontal esquerdo, promovendo o desenvolvimento da coordenação visomotora.
Os desafios presentes em jogos eletrônicos também estimulam o sistema límbico no cérebro que envolve o circuito de recompensas, composto pela via mesolímbica, uma das vias dopaminérgicas cerebrais. Essa via que abarca o núcleo accumbens, amigdala, hipocampo e córtex pré frontal, modula as respostas comportamentais aos estímulos que ativam sensações de recompensa por meio da Dopamina, que é o neurotransmissor responsável pelo prazer (Stahl, 2014).
Em termos cognitivos, videogames podem aprimorar as funções executivas, que são entendidas como um processo mental que direciona a ação, o pensamento e a emoção para a solução de problemas (Fuentes et al, 2014). Essas funções envolvem algumas habilidades específicas como a capacidade de iniciar uma determinada ação, estabelecer metas, planejar e organizar os processos para cumprimento das mesmas, inibir estímulos distratores, assim como, monitorar a eficiência das estratégias adotadas para resolução dos problemas e, quando necessário, criar novos esquemas de atuação.
Segundo Assis (2015), 21 estudos com idosos envolvendo treinos utilizando videogames indicaram melhoras significativas em tempo de reação, atenção sustentada, memória de trabalho, funções executivas, velocidade de processamento, alerta atencional, memória visual imediata e tardia, memória de trabalho visoespacial, controle inibitório, linguagem, raciocínio intuitivo, coordenação visomotora, flexibilidade cognitiva e habilidade visoespacial. A maioria desses estudos utilizou jogos comerciais e apenas quatro deles utilizaram Serious Games (Jogos desenvolvidos com objetivos científicos).
Evidentemente apenas o treino com jogos terá efeito parcial na qualidade de vida dos idosos, é necessário aliar a estratégia de treinos com Videogames a atividades físicas, psicoterapia e fármacos se necessário. Além disso é fundamental manter interação social e nutrição adequada.
Referências Bibliográficas
Assis S.A.C.N et al, Efeitos do treino com jogos de videogame na cognição de idosos: revisão sistemática. 2015 Sci Med. 25(3).
Bennet, D.A., Wilson, R.S., Schneider, J.A., Evans, D.A., Beckett, L.A., Aggarwal, N.T., Barnes, L.L., Fox, J.H. & Bach, J. (2002). Natural history of mild cognitive impairment in older persons. Neurology, 59(2), 198-205.
Charchat-Fichman, H. et al, Psicoterapia neurocognitivo-comportamental: uma interface entre psicologia e neurociência, 2012 Revista Brasileira de Terapias Cognitivas vol 8, 1.
Charchat-Fichman, H. et al, Declínio da capacidade cognitiva durante o envelhecimento 2005 Rev Bras Psiquiatr., 27 (12) 79-82.
Fuentes, D. et al, Neuropsicologia: Teoria e prática. Porto Alegre: Artmed 2014.
Goleman, D. O cérebro e a inteligência emocional: Novas perspectivas. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2012.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2004). Projeção da população brasileira. Rio de Janeiro: IBGE. www.ibge.gov.br.
McGonical, J., A realidade em jogo: por que os games nos tornam melhores e como eles podem mudar o mundo. Rio de Janeiro: Editora Best Seller, 2012.
Oda, C., Ota, F., Programação de games para o desenvolvimento do raciocínio lógico e prevenção do declínio cognitivo em idosos, 2017. Relatório Científico Fapesp – Pipe 1.
OMS. (1994). Planificacion y organizacion de los servicios geriátricos: Informe Técnico, 843. Genebra (Suíça).
Schlindwein-zanini, R., Demência no idoso: aspectos neuropsicológicos. Rev. Neurocienc., v.18, n.2, 2010.
Soares, E., Coelho, M.de O. & Carvalho, S.M.R., Capacidade funcional, declínio cognitivo e depressão em idosos institucionalizados: Possibilidade de Relações e Correlações. Revista Kairós Gerontologia, 2012,15(5), 117-139.
Stahl, S.M., Psicofarmacologia: bases neurocientíficas e aplicações práticas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014.